As cantoras Pepita, Mel Gonçalves e Raquel têm em comum, além da profissão artística, a proximidade de idade. Todas elas cruzaram a linha dos 30 anos de idade, algo, que por incrível que pareça, ainda incomum para a maior parte da população de travestis e transexuais no Brasil, o País que mais mata essa população em todo o mundo. Um levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) aponta que a expectativa de vida deste grupo no Brasil é bastante baixa, em torno de 35 anos - especialmente por conta da violência.
Para exaltar a carreira e também a vida de pessoas transexuais e travestis brasileiras que superaram as estatísticas, a revista Billboard Brasil lançou a campanha “Billboard Over 30″ (algo como “Billboard acima dos 30″). A publicação criou uma lista com 30 nomes de artistas, intelectuais, políticos e outros profissionais que se destacam na sua área de atuação e também na luta contra a transfobia.
Entre os homenageados estão pessoas como a cantora Lina Pereira, a modelo Lea T, a humorista Nany People, a cartunista Laerte, a analista de diversidade Maitê Schneider, a deputada Duda Salabert, entre outros. O projeto foi criado pela revista em parceria com as agências de publicidade Lew’Lara/TBWA e Mynd. A edição especial da “Billboard Over 30″ faz uma alusão à lista “Under 30″, da revista Forbes, que aponta políticos, empresários e celebridades que se destacaram no mundo antes dos 30 anos de idade.
Thiago Lacorte, diretor de criação da Lew’Lara/TBWA, conta que a ideia do projeto nasceu por causa do “dado triste e revoltante” sobre a longevidade da população transexual e travesti como uma tentativa de alertar sobre essa questão ainda pouco debatida no País. “No mesmo momento em que parte da sociedade comemora o sucesso antes dos 30, nós mostramos que existe vitória em aspectos maiores e mais importantes além da fama e do dinheiro: estar vivo após os 30 anos, fato que é, ainda, uma conquista para a população trans do Brasil”, afirma. “Foi um grande privilégio e uma verdadeira aula, trabalhar com pessoas brilhantes como Ariel Nobre, Raquel, Pepita, Mel e poder, com esses exemplos, incentivar novos talentos trans que celebraremos ano após ano a partir deste.”
Para Arlane Gonçalves, fundadora da AG Consultoria de Equidade, Cultura e Diversidade, a iniciativa deve ser celebrada. “Mas, mais do que isso, com esta lista, a revista apresenta - ou esfrega na nossa cara - uma versão das pessoas trans para além do lugar que nós, como sociedade, queremos colocá-las: o lugar da subserviência”, avalia.
Arlane também diz que a publicação deve transformar a iniciativa em um projeto permanente de celebração de pessoas trans, o que pode auxiliar a luta contra a transfobia em um País com tantos casos de violência contra pessoas trans e travestis. “A partir desta lista, de sua permanência e de outras iniciativas como ela, nós vamos cada vez mais olhar e enxergar pessoas trans como cidadãs e, principalmente, como potências. E iremos também avançar num ponto que é crucial para a jornada da Equidade LGBTQIAP+: vamos praticar cada vez mais a normalização da existência e da convivência com as pessoas trans em toda a sua pluralidade”, afirma a especialista.
Conforme divulgado pela publicação, a seleção dos nomes contou com a consultoria do especialista em diversidade Ariel Nobre, que considerou o alcance, a relevância e a representatividade de perfis da comunidade. “A lista buscou enfatizar aqueles que não só sobreviveram à violência, mas que amplificaram suas vozes e puderam exaltar seus talentos a ponto de se tornarem referência em suas áreas de atuação”, informou a revista.
Realidade no Brasil
Dados do “Dossiê de Assassinatos e Violências contra Travestis e Transsexuais Brasileiras”, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais, mostram que, pelo 14.º ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans em todo o mundo. A maioria das vítimas de violência neste grupo são jovens entre 18 e 29 anos.
Na capa da revista, a cantora e apresentadora Pepita contou ao Estadão que se surpreendeu com o convite para estrelar a primeira edição da lista da Billboard, já que, em mais de 20 anos trabalhando com publicidade, foram poucas as oportunidades de estampar um espaço de destaque como esse. “Tudo para a nossa comunidade é mais difícil e mais demorado”, diz.
Além de integrar a lista de pessoas trans e travestis que se destacam na luta contra o preconceito, a artista fez questão de sugerir outros nomes que também mereciam ser destacados nesta lista. “Eu queria ter essas pessoas dividindo o espaço dessa capa de revista comigo”, conta. “Eu não quero só visibilidade, eu quero oportunidades.”
Segundo Arlane Gonçalves, da AG Consultoria, além de pautar as discussões sobre a visibilidade trans, o novo projeto da Billboard tem potencial para impulsionar a carreira de pessoas trans e travestis no mercado de trabalho. “Esta publicação com certeza traz um fator de contribuição para notarmos e avançarmos neste cenário, mas é muito importante enfatizar que precisamos de mais iniciativas como esta, contínuas, deste e de outros canais de mídia, no mês da Visibilidade Trans e para além dele”, enfatiza.
Confira a lista completa de nomes homenageados na publicação especial criada pela Billboard Brasil no mês da visibilidade trans.
- Lina Pereira
- Mel Gonçalves
- Raquel Virgínia
- Neon Cunha
- Lea T
- Aretha Sadick
- Isa Silva
- Jota Mombaça
- Bruna Benevides
- Lam Matos
- Luh Mazza
- Tiely
- Gabriel Romão
- Gabriela Augusto
- Noah Scheffel
- Renata Carvalho
- Duda Salabert
- Laerte
- Verônica Valentino
- Maitê Schneider
- Pepita
- Nany People
- Dan Kaio Lemos
- Tíffani Abreu
- Fernando Lins
- Luca Scarpelli
- Thammy Miranda
- Roberta Close
- Uyra sodoma
- Majur Harachell Traytowu
- Glamour Garcia
- Elle di Bernardini
- Chica Andrade
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